Le Entrevista a Joana Soares por El Rafa


Joana, obsessivo-compulsiva ironicamente nascida num dia em que se celebra independência nos US (4 de Julho) e co-criadora do Alfama-te. Deito fumo quando não tenho tempo para respirar mas inquieto-me quando me sinto a hibernar. Licenciei-me em Psicologia mas formatei o disco imediatamente após conclusão, pela dificuldade em aceitar o que não me pode ser objectivamente provado e definido em termos únicos. Perdi-me até descobrir que o sonho de criança é que fazia sentido, estando agora nas mãos da Medicina dos Animais. Não sou pianista mas alio o saber tocar piano a ser boa analista de processos, pelo que dou aulas de piano a crianças. Estudo violoncelo e estou apaixonada pelo meu instrumento, um Quasimodo renascido. Entre o aqui e o ali perco-me por Alfama, nas caipiras da minha Espanhola.

"Olha uma placa a dizer Abrantes!" - gritava eu em qualquer ponto do país aos 7 anos, com um sorriso de espanto e profundo orgulho. Era a ovelha ronhosa da família, a única nascida na província para onde a minha família foi empurrada pelo emprego do meu pai. Ora aos fins-de-semana lá vinha eu à capital, a contragosto, visitar os avós e aliviar o saudosismo angustiado da minha mãe.


Demorou cerca de 20 anos até olhar Lisboa com o mesmo brilho que ela tinha nos olhos, quando dizia  "a minha cidade é mesmo bonita", através da janela do carro. Foi preciso voltar a viver em Abrantes após acabar o curso e sentir-me inerte na cidade em que nasci. Foi preciso regressar e ver o encanto de outros que se apaixonaram por Lisboa. Foi começar a chamá-la minha. Foi descobrir a parte pequenina da minha Lisboa, os cantos tortos, as pessoas que lhe pertencem e a vivem como uma aldeia. Foi descalçar-me e correr pelas ruas de Alfama para esvaziar a alegria de me sentir bem lá dentro.

O que podemos esperar do Alfama-te, projectos, ideias futuras passadas, tudo o que te apeteça meter a boca no trombone sobre o grupo e sobre o bairro.

Isso depende dos sonhos que tiver. As ideias que me raspam os cantos do cérebro durante a noite podem acabar por sair em forma de bolo durante o dia. Para já temos o Alfama-te a 10 em pleno crescimento e a funcionar cada vez mais de acordo com a essência que tinha quando o imaginei. A seguir... Bem, digamos que este ano andamos em conversações com o Santo António, que nos quer pôr o menino em babysitting. Vão-se alfamando na nossa página do facebook, que estará tudo lá.

Cria e sugere-me um percurso por Alfama. O que ver e fazer, onde ir, personagens caricatos, becos e recessos esquecidos. Onde urinar em caso de aperto. Onde beber o copo de vinho mais barato. Onde namorar pela noite.

Os percursos em Alfama só têm graça se não souberes onde estás. Enfia caminho por uma escadinha e em caso de desespero segue sempre para baixo, que hás-de ir dar ao rio. Pelo caminho pode ser que encontres algum dos marcos incontornáveis. Para beber temos a Ginja d'Alfama (a ginja que me desculpe mas o ponto forte são as caipirinhas - as melhores do mundo) ali na Rua de S. Pedro. Para música, o Tejo Bar (no Beco do Vigário) onde ainda é possível apanhar jamming ao vivo numa qualquer destas noites. Para poisar e bezerrar, o 100 Remédio (Rua dos Remédios) onde tudo é bonitinho e pensado ao pormenor, perfeito para quem gosta de levar o computador para algum lado e ficar a trabalhar durante a tarde. Para conquistar alguém nada como o miradouro de Santo Estêvão, com aquela vista fantástica e uma boa garrafa de vinho. Já para empurrar alguém contra a parede... Há sempre uma ruela mais escura onde podes dar um beijo às escondidas.

E por favor, encontrem lá uma casa-de-banho que não gosto da minha Alfama a cheirar mal...

Lisboa. Como melhor descreverias a cidade e a tua relação com ela. Paixão, paixão é?

Lisboa é perfeita. Pode ser bonita e feia, apaixonante e aborrecida. Tem mar e rio. Dá-nos Primavera, Verão, Outono e Inverno. Pode ser nova e velha, cara e barata. Fácil e difícil. Paixão? Até que a morte nos separe.

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