Le Vitória 3


2 de Abril. Uma da manhã. Três casas destruídas. Nove famílias na rua. Nove mortos, incluindo 3 crianças. Um monte de terra, por causa das chuvas colapsou e atingiu estas pessoas numa pequena comunidade chamada Ayahuayco, no centro de Cuzco.

O município ajudou-os nos primeiros dois dias trazendo tendas e mantimentos, e comparticipando com todo o processo dos funerais. E mais já é pedir muito. Um fotógrafo japonês contactou-me e desde aí  temos-nos reunido procurando soluções de forma a ajudar esta gente. Por causa da segunda volta das eleições e do início da alta temporada, nada saiu nos jornais. Keiko vs Ollanta. Uma democrata capitalista filha de Fujimori, contra um ex-militar que quer nacionalizar o país e com propaganda paga por Chávez. Em menos de uma semana, o crescimento económico no Peru caiu cerca de 12%, coisa que não acontecia há mais de dez anos. Em Junho será a decisão final.

Abril. Águas mil. De dilemas e pensamentos. A Semana Santa entra e dá-me espaco para pensar. Sem razão aparente a saudade por Lisboa aperta, e dou por mim a colocar a hipótese do “Se”, nem que fosse apenas por umas semanas. Mas não. Nao posso deixar esta gente, nao posso deixar a comunidade em Urubamba. Prometi a mim mesma que só deixava o Peru quando eles fossem ter as suas casas de volta fosse de que maneira fosse.


Reencontro pessoas que conheci quando cá cheguei. Que me levantaram o queixo e fizeram-me ver uma vez mais a minha missão neste momento. Que me mostraram uma vez mais a importância da conexão com Pachamama. Que me abriram os olhos para a realidade mística da cidade de Cuzco. Amaru Puma Condor – grandes músicos e os Três Degraus da Vida para os Incas. A música e a energia deles limparam-me e abriram-me a cabeca para muitos factos depois de todas as confrontações pessoais sentidas nestes últimos dias. E uma verdade é certa: tudo é um processo e tudo passa nesta vida.

Férias. Selva. A cidade do eterno Verão. Quillabamba. Um paraíso perdido no meio de Cuzco entre Machu Pichu e Choquequirao. Gente simpática de tracos exóticos todos descendentes de nativos. À noite os casais passeiam-se pela praça, namoram nos bancos de jardim e as crianças brincam felizes na relva. Paz e tranquilidade. Aqui turismo só mesmo interno para quem vem de Cuzco. E quem não fala espanhol não vai a lado nenhum. Há um frenesim de mototaxis o tempo todo como que numa cidade que nunca dorme. Palmeiras e flores de cores vivas decoram as ruas e os passeios.

Terminal de autocarros. Cusco-Ollantaytambo. 4h da manhã e comeco a subir as ruínas.

À noite tudo pode ser explorado tranquilamente sem sermos atropelados pela chuva de guias e turistas e tudo se torna mágico como num conto de fadas e duendes. A neblina paira no ar, a meio do cume das montanhas, pormenor tão típico de Ollanta. Chegada ao Templo de La Luna, colocando as mãos nas rochas de tamanho astronómico e sentindo a sua suavidade mesmo depois de todas estas centenas de anos e fechando os olhos, consigo imaginar o dia-a-dia dos grandes guerreiros incas. O sol está quase a nascer.

Um pouco mais acima está uma pequena ruína de construção semelhante a uma casa tradicional, onde provavelmente seria um espaço de vigia ou de sacrificio. Subo. À volta tenho os Apus Verónica e Pumawanca a proteger-me. Aí, sento-me e vejo a pequena cidade de Ollanta a meus pés. Os candeeiros nas ruas comecam a acender pouco a pouco para dar as boas vindas a um novo dia que está prestes a comecar.

Sem dúvida que por agora, Cuzco é a minha cidade.

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Joana Vitória Martins

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