Le Vitória 4


6 de Maio. Eu e o fotógrafo japonês Tatsuya Kato organizámos um evento para apoiar as vítimas do derrumbe de Ayahuayco ocorrido no mês passado. Amaru Puma Condor aceitaram o nosso convite para tocar a favor da beneficência para os danificados.

Conseguimos dinheiro suficiente para alugar as máquinas para removerem toda a terra para as pessoas poderem construir as suas casas de volta. No entanto continuará a batalha de tentar proteger o resto da comunidade de que o mesmo se volte a passar, pois vivem numa zona geograficamente sensível a derrubes. Maio maduro Maio, já Zeca Afonso dizia. No meu caso diria mais, Maio duro Maio!


Foi um mês a ter e a perder. Já passaram três meses desde a última vez que tive que renovar o meu passaporte. Here I go again! Peru-Bolívia-Peru. Basta-me ficar 24 horas em Copacabana e voltar a Cuzco. Está feito. Mas desta vez pedi 6 meses na fronteira Bolivia-Peru. “E porquê?”, perguntaram-me. “Porque quero viajar para a selva e para isso preciso de mais tempo, e quero fazer algum voluntariado também.” O guarda olhou-me com o típico olhar de “Mas porque raio queres tu ajudar o meu país???". Pediu-me que preenchesse tudo de novo, e lá me passou os 6 meses que pedi.

Depois de 6 meses a viver no maior hostel da América do Sul, arranjo tempo para procurar um quarto/ apartamento. Depois de tanto procurar, já estava disposta a qualquer coisa. Era tudo caro, quase mais caro que a minha casa em Lisboa. Encontro algo. No topo da cidade, na montanha por baixo das ruínas. Entre Sacsayhuaman e Qenqo. Uma casa velhinha, mas com boa energia e barata. Era pegar ou largar. Divido com um amigo e mais barata fica. Óptimo. Por cima vivem amigos, melhor ainda.

Entretanto despeço-me do Loki. Já era demais para mim. Vou visitar as vítimas das cheias em Urubamba. Depois de algum tempo de ausência, pergunto a Celestino como vão as coisas e está tudo na mesma. Basta! Esta gente não pode esperar mais, já desesperam, já discutem entre eles. Mais uma vez acreditaram no que as autoridades disseram. Pensei que seria muito melhor se vivesse no Vale Sagrado mais perto da comunidade, mas logo agora que tinha acabado de alugar uma casa em Cuzco... Não sabia o que fazer, estava confundida entre algo que já tinha, depois de tanto procurar por conforto, e entre o desespero de uma inteira comunidade que eu tinha que ajudar.

Um dia chego a casa e reparo que me faltam coisas. Tinha sido assaltada. Levaram-me tudo o que tinha comprado novinho em folha. E pior, descubro que era alguém que tinha a chave de casa. O mesmo se passou em casa do meu amigo. Ok Joana, está na hora de mudar de ares.

Lima. Vou para inscrever-me na embaixada portuguesa para poder votar nas eleições de dia 5. Desço do autocarro e sinto o cheiro do mar, que saudades. E também faz sol e calor. Lima é bonito. Uma grande cidade, uma capital como outra qualquer. A Plaza de Armas parece-se tal e qual como a Praça do Rossio, e tudo o resto parece a Europa. O centro é trânsito, pessoas, poluição, ter que andar na rua sem poder olhar a calçada, sim porque em Lima tudo pode acontecer. Chego à parte sul da cidade. Barranco e Miraflores. ”Hermoso.” Parque do Amor e Ponte dos Suspiros. “Me encanta.” Pode-se caminhar entre os dois bairros como no calçadão entre Carcavelos e Parede. E a meio encontrar o Vargas Llosa a dar a sua caminhada diária. Juanitos, uma tasca com garrafas de Cinzano cobertas de pó. A vitrine mostra-me azeitonas pretas marinadas e carcaças secas. Lembra-me o meu tão querido Estádio. Saudades de ti Lisboa.

Cinema, galerias de arte, street art, bares e lojas de antiguidades. Lojas de roupa. Uau. Tudo bonito e caro. 150 soles um casaco que me ficava tao bem. Mas com esse dinheiro alimento uma família para 3 meses. Supermercados. A secção dos queijos deixou-me boquiaberta, como se nunca os tivesse provado em toda a minha vida. Não soube o que era nada disto nos últimos sete meses, e ao mesmo tempo sentia-me estranha no meio de algo que para mim já era considerado luxo.

Tudo isto é muito bonito, mas a verdadeira realidade em Lima entre estes dois bairros é devastadora. Todo este mundo foi criado para com que ninguém tenha que sair dos seus bairros e dirigir-se ao centro, porque é muito perigoso. As empregadas passeiam os cães na rua, e quando vão com as famílias à praia no fim-de-semana, nem sequer estão autorizadas em ir à água. Dentro das casas são chamadas com campainhas e jamais devem limpar a casa à frente dos seus patrões. Os carros são maiores do que o espaço definido para estacionar. Todos tem um 4x4, mas nunca saem do bairro onde estão. Status. Status. Status.

Mas é bom estar aqui. Sentir o cheiro do mar e comer peixe fresco. Ver o sol a adormecer numa linha do horizonte. E é só. Quero voltar para a minha gente tão genuína no meio das montanhas. Quero voltar para as coisas simples da vida. Quero ir para Ollantaytambo. Quero encontrar um quarto simples e limpo. Quero sentar-me na praça, escrever, preparar os projectos, adiantar a minha missão aqui com vista para as montanhas. Quero fazer trekkings ao fim de semana. Quero aprender a andar de bicicleta. Quero comer choclo con queso com as mãos. Quero brincar na rua com a menina que só fala quechua. Quero viver perto dos que são agora também a minha gente.

Pérou. Je t'aime.

Ligações :

http://amarupumackuntur.com
http://www.tatsuyakato.com

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