Le Vitória 9

Quito, capital do Equador.

Foi este ano nomeada Capital da Cultura 2011 da América Latina. A 3200 metros de altitude, uma cidade grande, verde, com bastante movimento e muito frio. Apanho um autocarro que diz: “ La mitad del mundo”. Uma viagem que dura aproximadamente uma hora e meia. Chego a uma grande torre que diz: “ Latitude zero, a 2483 metros de altitude”. No seguimento dessa torre há uma linha desenhada no chão em sentido vertical, onde coloco um pé em cada lado. O único lugar no mundo onde podemos estar ao mesmo tempo nos dois hemisférios.


Próximo destino: Cuenca. A segunda cidade mais conceituada depois de Quito. Aqui sinto-me bem e decido ficar mais dias do que esperava. Passeio pelas ruas que me fazem lembrar a baixa do Porto. Em Cuenca há todo um leque de opções para preencher a agenda. Mostras de cinema independente e documentários, performances, teatro, concertos, tertúlias, muitos livros, bom café, boa comida, boa gente e boa música. Dirijo-me cada vez mais a Sul, onde já Ney Matogrosso dizia que “Não existe pecado na linha abaixo do Equador”. Próximo destino: Vilcabamba. Encontrei a minha pequena vila de Ollantaytambo onde vivo em Cuzco, neste belo país. Uma pequena cidade com apenas 3000 habitantes, conhecida como o “Vale da Longevidade”, onde as pessoas vivem até aos 120 anos. Aqui não há carros, não há poluição, todos andam a cavalo para onde quer que seja, aqui respira-se saúde. Passeio pela praça e fotografo igrejas e montanhas de cores imensas. Sento-me num banco de jardim, onde observo os anciãos caminhando tranquilamente de bengala, com as caras cheias de rugas com mil e uma histórias para contar.

Entristece-me saber que os norte-americanos já começam a tomar conta desta pequena cidade, tão mística e tão autêntica. Reformam-se e gastam o dinheiro a comprar todos os terrenos que podem, a abrir actividades comerciais e as mesmas oportunidades para um equatoriano diminuem. A febre da “gringolandia” pela América Latina parece não ter fim.

A minha jornada pelo Equador termina em Guayaquill. Há 10 anos atrás era a cidade mais perigosa da América do Sul. Isto porque no tempo da colonizacao Guayaquil foi o porto de abrigo para os maiores piratas do Pacífico. Aqui reencontro aquele por quem me apaixonei no mar das Caraíbas. Aqui despeço-me do seu país e de uma paixão que em terra firme não tinha que ser. Meto-me num autocarro até Lima, numa viagem de 36 horas. São 10h da manhã quando chego, com cansaço no corpo, mas com um brilho nos olhos por estar de volta. Sento-me num banco de jardim, no paredão de Barranco, o meu bairro em Lima, aqui sou barranquina, e com um cigarro na mão, penso em todo o que percorri nestes últimos meses entre o Panamá e o Peru, e sinto nostalgia pelo que deixei, sabendo que não faria diferente, sentindo que todos os passos que dei, e todos os momentos que aceitei, fizeram de mim o que hoje sou e me fez até aqui voltar.

Mato as minhas saudades da brisa do mar, do melhor ceviche do mundo acompanhado de uma boa cerveja Pilsner, dos bons amigos limeños e parto rumo a Cuzco: O meu umbigo favorito. Ollantaytambo, a cidade viva dos Incas. Como senti falta das tuas montanhas imponentes e das tuas ruas estreitas com pedras maiores do que eu. Aqui espero um amigo português que me vem visitar por um mês e onde vou ter a oportunidade de lhe dar a conhecer os cantinhos mágicos que esta cidade, que este país, que este continente tem. Peru e Bolívia, são os passos que se seguem na minha viagem com regresso a Ollantaytambo, sem saber se aqui ficarei num futuro próximo. Uma coisa eu sei. Quero escrever muito e voltar a dar aulas. Quero ter crianças à minha volta o dia inteiro. Poder vê-las sorrir, e rir com elas. Fazer de cada uma delas pequenos homenzinhos e pequenas mulherzinhas. Dar-lhes mais e melhor daquilo que não tive. E para isso só tenho que encontrar o lugar onde começar. Que poderá ser Brasil, Panamá ou Guatemala. No entanto amanhã tudo pode mudar.

E esta é a parte boa de cada dia. De não ter de fazer planos para amanhã, de saber que este mundo é tão pequeno, porque em qualquer lado do mundo posso estar, ir, voltar, trabalhar, regressar, começar, encontrar, reencontrar, viver. De sentir o que é ser livre na verdadeira essência do ser humano. De saber que as coisas são mais fáceis do que se pensa, de ter medos, enfrentá-los, mas que são eles que me mantêm viva, de amar de novo como se nunca tivesse sofrido antes, de não olhar para trás,de sorrir como se nunca tivesse chorado antes, de dar e receber cada vez mais, muito mais. De pisar cada pedacinho desta terra, imaginando que mais a norte, sul, este e oeste, há-de haver outro canto também especial, também autêntico, também mundo.

Hoje faz um ano que apanhei um avião para o Rio de Janeiro. Vinha numa viagem de 3 meses com a finalidade de voltar ao Brasil. Sentia curiosidade, adrenalina e medo. Hoje em dia vivo em Cuzco, Ollantaytambo, no Vale Sagrado dos Incas. E ao Brasil, no entanto ainda não voltei.

Hoje sei que não é a meta, mas sim o caminho. Aqui resolvi mandar tudo o que tinha planeado para trás das costas e começar uma vida numa cultura diferente, sem amigos nem família à minha volta. E sem me dar conta, foi aqui que na verdade começou a minha viagem. Aqui senti-me a fazer parte do mundo. Aqui senti o que um dia disse Eduardo Galeano: “ Muita gente pequena, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, pode mudar o mundo”. E amanhã para onde vou? Não sei e estou bem assim.

Curiosamente há pouco tempo, surgiu uma memória na minha cabeça. Um dia quando era pequenina encontrei no escritório da casa onde vivia, um globo antigo, daqueles que giram e onde ficamos horas com o pensamento perdido em se um dia iremos aqui ou ali. Um dia ao lado do meu pai, giro o globo, aponto com o meu dedo pequenino o Peru e digo-lhe: “ Um dia vou viver aqui.”

Nunca é tarde para começar de novo.

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