Le Entrevista a Francisca Carvalho (Le Cool Team) por Francisco Pinheiro


De uma Francisca para um Francisco, como me resumirias esta aventura de uma escalabitana em Lisboa?

Esta aventura é mais um reposição da peça “o bom filho a casa torna” do que uma estreia absoluta. Na verdade, sou uma espécie de híbrido ribacinho ou alfaçano, já que fui emprestada à Lezíria com 4 anos e retomei a Lisboa em 2002 quando entrei na faculdade. Sou natural da freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço, nasci à vista do Tejo, ali onde a cidade se inclina em direção ao castelo..

Reparei que usas peep toes com um salto assim para o meio alto. Não dás meias quedas pela calçada da cidade?

Essa pergunta tem piada, precisamente porque a única vez em que caí não ia de saltos. Foi nas escadas do metro da Baixa-Chiado. Tendo passado com distinção as principais, fui meter os pés pelos pés nas de acesso ao cais. Aterrei de cabeça no patamar intermédio. Quem me deu a mão e uns quantos lenços de papel para estancar o sangue, foi um cozinheiro-samaritano que estava de regresso ao Porto e perdeu o comboio porque só saiu “da minha beira” quando chegou o INEM. Contas feitas: cabeça aberta e um cotovelo partido, para além da convicção plena de que, se estivesse de saltos, aquilo não tinha acontecido.


Sei que entre os textos Le Coolianos e a tua vida pessoal, profissionalmente corres a maratona escolar da educação. Como vês o mundo académico e as 64 escolas que visitas mensalmente?

A minha atividade profissional acabou por se revelar uma forma inusitada de explorar a cidade de Lisboa e de lhe descobrir os meandros e os recantos sob uma nova perspetiva - a dos bairros à volta das escolas da capital. No fundo, fui obrigada a sair do meu circuito habitual e a frequentar zonas da cidade que, de outro modo, me passariam totalmente despercebidas. Costumo até dizer que se tiver de abandonar este trabalho, terei boas hipóteses como taxista, desde que me deem como ponto de referência uma qualquer escola. :)

No outro dia perguntaram-me se eu era para os lados do Brecht ou mais para o Tati... E tu, mais à terra ou mais ao mar?

Ao Tati tenho uma ligação afetiva, uma vez que foram várias as tardes que passei a ver os filmes dele no sofá com o meu pai. Era um dos programas que gostávamos de fazer juntos, tal como era sagrado ver o BBC Vida Selvagem ao domingo de manhã. Com Brecht foi amor à primeira peça que vi no Teatro da Cornucópia. “Um homem é um homem” foi seguramente das melhores peças que vi na minha vida e das que mais contribuiu para manter sempre junto à orla costeira.

É a Francisca Carvalho um heterónimo para dar asas a uma liberdade literária, ou a Francisca de carne e osso também dá asas à imaginação?

A Francisca Carvalho é um heterónimo imperfeito. Tento que ele seja uma versão de mim na qual sobressaiam a criatividade e a audácia literária, como se fosse uma porta permanentemente aberta da gaiola da imaginação. A Francisca de carne e osso é uma falsa extrovertida, no fundo, porque onde exterioriza mais as suas emoções é quando está com a família e os amigos mais chegados.

Com o novo acordo ortográfico já em vigor, se fosses um sinal de pontuação, qual serias, e quais irias repescar no nosso balde das sobras?

Profissionalmente já sou obrigada a cumprir o novo acordo ortográfico e por isso encarei com naturalidade a extensão da sua aplicação à Le Cool. Embora me irrite subterraneamente a cedência da etimologia em relação à fonética, tento encará-lo com a mesma leviana resignação daqueles que se opunham a que se deixasse de escrever farmácia com ph.

Se tivesse de me atribuir um sinal de pontuação escolhia o ponto e vírgula. É um sinal que, ao contrário do ponto final, não abdica completamente do que o que antecede e abre, ao mesmo tempo, espaço para o que se lhe poderá seguir de novo e ainda não tenha sido explorado anteriormente.

Como boa le cooliana, daquelas de carteirinha, como conjugas este verbo que nos define como parte intrínseca da capital portuguesa?

Enquanto pequena folha da grande alface, conjugo o verbo “gouvarinhar”. Gouvarinhar era aquilo que o Carlos dizia ao Ega que ia fazer sempre que saia por essa Lisboa adentro em busca de uma distração que dissipasse essa cortina de monotonia que por vezes sobre nós se abate. Penso que é isso que Lisboa tem para nos oferecer: infinitas possibilidades de “gouvarinhar” uma cidade onde só se entedia quem estiver totalmente alienado do que acontece todas as semanas. Nesse aspeto, a Le Cool é uma espécie de altifalante contra a surdez da apatia.

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