Le Entrevista a Luís Simões por Cláudio Braga


Dar a volta ao mundo de caderno e canetas na mão, a desenhar

Luís Simões ou Simonetti para os amigos, no momento exato em que estão a ler estas palavras, já muito provavelmente partiu em direção aos 5 continentes para dar a volta ao mundo. Não serão 80 dias, mas 5 anos de mochila às costas, máquina fotográfica, portátil e - agora é que vem o mais importante - cadernos, canetas, aguarelas e pincéis.

Parte, aos 32 anos, para desenhar o mundo e dar largas àquela que se tornou, nos últimos anos, a sua grande paixão: o urban sketching. Para trás fica o trabalho como motion designer na SIC, a vida segura e o conforto da família e dos amigos.


"A vida é boa demais para ficarmos sempre no mesmo sítio" - é a frase que mais lhe pedem para repetir, à laia de resumo daquele que se tornou projeto de vida.

Esta não é uma viagem qualquer, não senhor. A ideia é avançar lentamente, deixar espaço para o inesperado, fundir-se com os sítios, as pessoas e passar horas a imprimir no papel, através dos gestos precisos da mão, aquilo que os olhos vão registando. Nós, comodamente instalados em frente ao computador, vamos poder seguir com ele e acompanhar tudo a par e passo.

Já sei que te têm chamado muitas vezes “grande maluco”, mas, como não pareces nada disso, conta lá o que te deu na cabeça para decidires partir assim...?


Pode-se dizer que foi o estar já cansado deste cantinho que é Portugal e cansado do motion design. As coisas estavam a ficar fáceis... Acabas por levar, quase, aquela vida das 9 às 5... Estive 3 meses em Nova Iorque – entre Fevereiro e Abril de 2010 – a trabalhar numa agência de comunicação e a experiência foi tão boa que comecei a pensar que seria bom mudar. Ainda pensei em sair para a Nova Zelândia ou a Austrália, mas a minha ideia nunca foi a de emigrar. Isso obrigava a ir com outra responsabilidade, com um plano, e o meu objetivo não era esse.

Então e sais logo assim, durante 5 anos, para dar a volta ao mundo?


Houve um amigo meu que decidiu dar a volta ao mundo e, quando começas a ver os teus amigos próximos a pensar nisso, começas sentir-te com vontade de ir também. Sempre que viajava, apetecia-me ficar mais tempo nos sítios, mas arranjar tempo para ir e ficar, era sempre complicado...

Vai daí, despedes-te, chegas a casa e dizes: “mãe, pai, vou-me embora cinco anos pelos 5 continentes... Até 2017!” A reação deles foi...


Tu és parvo! [risos] O meu pai disse-me: “isso é uma coisa que não tem pés, nem cabeça”. Sempre foram muito ligados à família e, como todos os pais, não compreenderam bem o porquê. Começaram a pensar: mas tás mal aqui...? Expliquei-lhes que estavam a pensar em coisas que não tinham nada a ver.

Só estou a puxar a conversa porque a tua conversa com eles dava um bom sketch. Conta lá como é que os “convenceste” a ir contigo...


Não fui eu que os convenci... Ainda tivemos algumas conversas, comigo sempre a explicar o que queria, qual era o meu objetivo. Aos poucos foram deixando de falar no sentido de me tentar contrariar, acho que foram sendo vencidos pelo cansaço... Um dia chegam ao pé de mim e perguntam: e se nós fossemos também?

[risos]

Pois, foi essa a minha reação... Mas, depois fiz-lhes as coisas ao contrário. Acabei por lhes devolver as perguntas: qual é a vossa ideia, qual é o objetivo? E chegámos a uma solução de consenso: façam o vosso itinerário e se der para conciliar... Era um sonho antigo deles e, como agora já podem porque estão reformados, compraram uma autocaravana e vão viajar um ano inteiro pela Europa. Vamo-nos encontrando, mas cada um segue o seu caminho...

O projeto chama-se Worldsketching Tour, o que por si já diz quase tudo, mas, para começar, traça-nos lá o mapa do percurso.


Então, saio daqui, vou pela Europa, Ásia, Oceania, América e África... Um ano em cada continente a desenhar, durante cinco anos. Quero estar na Escandinávia durante o Verão para evitar o frio que é mau para desenhar... Aliás, quero evitar as zonas mais frias durante o Inverno. Estou com grande curiosidade para saber como vai ser na Ásia. Ainda hoje me estiveram a falar, outra vez, no Butão, mas é sempre muito complicado para conseguir os vistos para entrar. Se não conseguir, não fico preocupado, troco bem isso por outras situações. Mas também estou curioso com a Mongólia, o Tibete, Guatemala, Chile... No fundo, os países que sabes que não são globalizados são os que tens mais vontade de conhecer.

E há quem te pergunte porquê começar pela Europa e deixar África para o fim...

Por acaso tem piada porque acabei por começar a viagem pelo fim, por África. Estive em Marrocos em Janeiro [o site oficial já mostra alguns desenhos]. Decidi deixar África para o fim porque é sempre mais complicado viajar por lá. Depois, é tudo tão diferente, que, tendo andado por lá, o resto ia parecer pouco... Quero começar por algo mais familiar. No fundo, a Europa é a nossa casa, acaba por ser tudo um bocado igual. Acho que a viagem só vai começar mesmo quando chegar ao Trans Siberiano [Primavera de 2013].

O teu objetivo não é estar nos sítios, desenhar e seguir...

...eu quero ter contacto com as pessoas e o Urban Sketching dá-te isso. As pessoas vêm ter contigo, conversam... Tens contacto com outros desenhadores, propõem-te trocas... Em Marrocos tive um desenhador que faz retratos na rua a propor-me desenhar para ele, até me propôs dar-lhe os meus cadernos... Estou à espera dessa interação e de aprender muito com eles, também. Espero que o meu traço e tudo o que eu sei sobre desenho seja uma completa mentira...

De resto, esse fenómeno da interação e das pessoas a oferecerem-se para ajudar é aquilo que já estás a sentir...

Esse fenómeno da ajuda é muito giro. Quando comecei a planear isto, tive logo uma pessoa – uma alemã urban sketcher que vive em Espanha – que me deu logo uma noção de como é que as coisas se poderiam fazer... Já tenho gente à minha espera no Brasil, em 2014. E gente à minha espera em Sidney, em Singapura... Vou aproveitar o couchsurfing e outros urban sketcher para me guiarem e acolher. Ah, e nós portugueses nisto do desenrasque são fantásticos. Há sempre alguém que conhece alguém que vive neste e naquele país.

E esta coisa do desenho, como é que chegas ao Urban Sketching?

Descobri o Urban Sketching por volta de 2008, mas eu já fazia muito desenho de observação. Com o Urban Sketching comecei a perceber que havia regras e, inconscientemente, dei por mim a sair mais vezes de caderno e caneta na mão para desenhar. Comecei a apegar-me muito a esta malta que incute muito o espírito de perder o medo de sair para desenhar.

Tens dito muitas vezes que te habituaste a deixar a máquina fotográfica em casa e registar os momentos/locais apenas através do desenho. Fala-me um pouco desse processo que tanto pode demorar meia, como uma hora, ou várias horas...

Sim, não me chateia nada deixar pôr a máquina fotográfica de lado. Aquilo que começas a desenhar não tem nada a ver com aquilo que vês no momento em que acabas. São as sombras, a luz, as pessoas que vão mudando. Às vezes, tens de te adaptar a essa mudança. O desenho não reflete um momento só, acaba por ser o resultado de uma observação ao longo de um determinado tempo.

Noto que as pessoas se preocupam muito em compreender como programaste tudo isto - quase à espera que tenhas data de chegada e partida a cada lugar, mas não noto que estejas nada preocupado que seja precisamente ao contrário.

A ideia é ir... O giro é partir sem grandes planos. Nem os cinco anos são uma coisa fixa. Claro que também não planeio deixar-me ficar nalgum lugar, quero mesmo chegar ao fim e regressar. Agora se vou demorar mesmo 5 anos, 6 ou 7, não sei... Até porque posso estar a precisar de descansar, ou posso passar uns meses a aprender ou ensinar. Estou aberto a todas as experiências.

Entretanto, a data da partida oficial de Lisboa é 16 de Março, mas ainda vais andar por solo português mais alguns dias...

Sim, ainda vou fazer duas apresentações do projeto, em Aveiro, no dia 17 de março e, no Porto, dia 18 de março, mas já a caminho de Vigo e Santiago de Compostela, que é por onde vou começar. Na prática, só no dia 19 é que vou começar, mesmo, a desenhar.

Sendo assim, como muito provavelmente não vou poder estar presente nessas duas apresentações, uma boa viagem e até 2017.


[risos] Obrigado... Mas, eu vou dando notícias. Vou publicando desenhos, histórias e vídeos, sempre que possível. É por isso que viajo com computador e máquina fotográfica...

Para acompanhar a viagem:
http://www.worldsketchingtour.com
http://vimeo.com/36295013

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