Le Entrevista a Jorge Trindade "Travassos" - Festival Rescaldo, por Pedro Tavares


Nascido em 1972 no Barreiro, na periferia de Lisboa, passou a sua infância a viajar de cidade para cidade entre Portugal e Espanha. Formou-se em Design e tem uma pós-graduação em Design Sustentável pela Universidade de Aveiro. Durante os estudos trabalhou na secção de jazz na Valentim de Carvalho de Aveiro, programou as tardes do “projecto 70&Set” do Centro Cultural e de Congressos de Aveiro e fundou em 2001 o 1º festival de jazz de Aveiro. Depois de terminar os estudos, passou um ano em Barcelona.  De volta a Portugal, Jorge Trindade "Travassos", tornou-se parte da Trem Azul, a única distribuidora, programadora e produtora de jazz em Portugal, mais conhecida internacionalmente por ser a base da Clean Feed Records, reconhecida internacionalmente como uma das melhores editoras de jazz. Em paralelo, fundou os festivais Muco e Rescaldo, este último a comissariar a edição de 2012.


LeCool Lisboa/Pedro Tavares (LC) : Qual é o principal objetivo que pretende alcançar com a presente edição do Festival Rescaldo?

Festival Rescaldo/Jorge Travassos (R): Pá, o Rescaldo não é apenas esta edição, apesar desta edição ser uma das edições mais importantes desde a existência deste festival. Esta edição dá continuidade àqueles que são os objetivos do Rescaldo, que desde o início foi tentar misturar uma série de géneros, de estéticas, que por norma não se misturam, ou seja, a malta do jazz não vai ver um concerto de música eletrónica, por norma, não é?! E a malta do rock não vai ver um concerto de música folk, ou alguma coisa do género. E um dos grandes objectivos do Rescaldo é precisamente isso, e que foi desde as primeiras edições, tentar confrontar o mesmo público para propostas diferentes numa mesma noite, aproximar os públicos, os músicos, as estéticas.
Eu quando cheguei a Lisboa tinha uma série de referências espalhadas de grupos que estavam a fazer coisas em várias frentes e cheguei aqui e percebi que estavam todos fechados na sua redoma. Todos com medo do seu diferente, de tudo aquilo que seja diferente do que é o grupo estético deles, e tomando-me a mim como exemplo, que sou um tipo ligado ao jazz há 15 anos mas que gosto de todo o outro tipo de música. Pensei que era realmente importante tentar aproximar estas pessoas, estas correntes que têm muitos pontos em comum e que se deviam cruzar, as pessoas deviam partilhar as suas convicções, as suas ideias. E isso tem acontecido, eu acho que o Rescaldo tem contribuído de alguma maneira para juntar pessoas que não se juntavam há uns anos atrás. E esta edição faz isso um bocadinho, ao juntar o Noberto Lobo com o [Carlos] Bica e ao juntar os dois membros dos Sunflare com Ferrandini e com o Pedro Sousa. E acho que são destes cruzamentos que vem a música nova, que advêm as novas propostas e que faz a coisa crescer, faz com que as coisas tenham vida.

LC: O Festival Rescaldo tem por objetivo destacar o que de melhor se fez no ano anterior. Considera que este festival funciona como um verdadeiro barómetro das novas tendências musicais?

R: O Rescaldo tem isso como premissa ou como objetivo de fundo. Eu acho que o principal objetivo do Rescaldo é a resposta à primeira pergunta, mas depois como motivo de fundo tem o objetivo de fazer o rescaldo do que se passou de interessante nessas várias áreas, isso tendo em conta a visão do programador e o espaço, o numero de espetáculos que tens para fazer. Por isso, é demasiado ousado dizer que conseguimos fazer uma retrospetiva do que se passou realmente de mais interessante. Na minha opinião, sim, acaba por ser a minha visão do que se passou de mais interessante nessas áreas no decorrer do ano anterior.

Acho que o jazz e a música improvisada talvez tenham sido um ponto de partida para tudo isto. Porque o jazz dá o exemplo de como os músicos se conseguem misturar sem qualquer tipo de preconceito e isso não acontece tanto nas outras áreas.

LC: Há quem considere o jazz o estilo mais democrático de fazer música.

R: Por um lado sim, por outro lado tem uma das componentes mais fechadas de todas. Existem setores do jazz que são altamente conservadores e altamente fechados. Eu gostava de levar muito mais jazz este ano ao Rescaldo e não levo porque não consigo encontrar assim propostas tão interessantes que valha a pena e as interessantes já foram nas edições anteriores como os Red Trio, os Motion Trio, o Rafael Toral, o Sei Miguel... nestes últimos tempos para além do Ferrandini e do Pedro Sousa, pouca coisa tem aparecido de interessante. E a corrente maior do jazz está muito estagnada no nosso país, julgo que por motivos académicos essencialmente, de pedagogia que não alimentam que o jazz se liberte mais do que aquilo que se poderia libertar. O que é uma pena, não é? O pensamento do jazz enquanto música que se mistura e se liberta e como é, acho que talvez tenha sido um ponto de partida para tudo isto.

LC: A inclusão de nomes fortes da cena indie portuguesa, como é o caso de Tó Trips e Noberto Lobo visa alargar o público alvo deste festival?

R: Sim. Pá, a programação do Rescaldo sempre tentou ser o mais abrangente possível e alargar os públicos cada vez mais. Por isso é que as propostas são tão diferentes, vão de uma área à outra. É obvio, que tendo um nome como Tó Trips ou o Norberto ajuda a que isso aconteça ou se calhar desperta a atenção mais a algumas pessoas que nunca iriam reparar no Rescaldo se não tivessem lá um nome que elas conhecessem. E isso acho que pode ajudar. O facto do Rescaldo este ano acontecer na Culturgest também credibiliza um pouco mais as propostas de programação e o Norberto parece-me uma escolha bastante adequada, sendo que apesar de ser um músico extraordinário e que já é muito conhecido, ainda não é conhecido o suficiente, ainda não é um músico que as pessoas digam: "este tipo é genial". E o Norberto é mesmo genial. O que não me apetecia levar ao Rescaldo era mais uma vez Norberto a solo, por isso é que se pensou neste projeto absolutamente inédito de misturar estes grandes nomes da nossa música e que têm denominadores comuns, julgo eu. São ambos músicos que ainda conseguem ter uma boa dose de portugalidade. O Bica sempre fez isso na sua música, é dos músicos portugueses que, ele e talvez o João Paulo da Silva, na música conseguem transparecer algumas das raízes lusitanas, da música portuguesa, e o Norberto também, ele tem música portuguesa na música dele. Por isso pode parecer uma junção interessante.

LC: Que formas a Shhpuma utilizará para divulgar os novos projetos musicais relevantes?

R: Uma das maiores valias da Sphuma é estar alicerçada na mesma casa que está a Clean Feed, e esta já tem um mecanismo altamente oleado de promoção e distribuição principalmente internacional dos músicos. O que vamos fazer é aproveitar esses modelos e aplicá-los a estes novos conceitos. Agora, será um trabalho mais difícil porque estamos a falar de músicos não tão conhecidos como os músicos que editam pela Clean Feed, mas os trabalhos têm de ser começados do início, não é?

LC: A Sphhuma é uma subsidiária da Clean Feed.

R: É. Já não estamos a começar do zero, estamos numa plataforma, um know how acumulado, que permite que quando a malta olha “Sphhuma powered by Clean Feed” automaticamente as pessoas encaram como sendo música de qualidade, como sendo uma escolha válida, uma proposta válida.

LC: Tendo em conta que o atual contexto económico é bastante desfavorável, como avaliam a viabilidade da Shhpuma?

R: É uma verdade que estamos a criar uma editora em absoluto contra-ciclo mas o facto é que a Clean Feed também foi criada nessas condições e conseguiu crescer e afirmar-se enquanto uma grande editora e procurar os nichos que existem pelo mundo. E nós não queremos arranjar aqui uma viabilidade económica ao ponto de ganharmos dinheiro com isto. Queremos acima de tudo que isto seja sustentável e ajude estes músicos que têm um valor extraordinário e que merecem que alguém pegue neles com estrutura e que os consiga promover de forma adequada e essencialmente que os consiga internacionalizar, que é aquilo que eles não conseguem fazer, nem conseguem ter estruturas para se autopromover cá dentro. Ou fazem edições de autor ou fazem edições de editoras portuguesas que têm a abrangência do mercado nacional que é muito pequeno. E aqui é uma questão de aproveitar todo o balanço que a Clean Feed tem e é quase um refresh para Clean Feed, isto para abrir à Clean Feed editar tudo o que esteja para além do jazz. Nós recebemos, às vezes, propostas incríveis e não as editamos porque não estão de acordo com aquilo que é a estética da Clean Feed.

LC: O facto de várias atuações decorrerem na Culturgest, significa que o Rescaldo atingiu a maioridade?

R: Acho que sim, acho que o Rescaldo deu o maior passo que alguma vez poderia ter dado na sua existência. Melhoraram as condições em todos os aspetos, principalmente para os músicos e logo a seguir, a nível de promoção e comunicação, melhorou exponencialmente de uma forma incrível.
Acho que existe finalmente um reconhecimento do trabalho que o Rescaldo tem vindo a fazer apesar de que, nas duas últimas edições, o Festival ter sido muito acarinhado pelo público principalmente e por parte da imprensa, o que nos tem dado muitas esperanças e muita vontade de levar este projeto para a frente, e o facto deste ano ter sido acolhido pela Culturgest é o melhor que poderia ter acontecido a este festival.

LC: Porque apostaram num Dj set para esta edição?

R: O Dj set também existiu em edições anteriores. E não é um Dj set qualquer, não são propriamente Dj’s que vão fazer o Dj set, são duas pessoas intimamente ligadas à música, que é o Sérgio Hydalgo, programador da ZDB e é o Filipe Felizardo que está a editar o disco nº1 pela Sphhuma. Por isso vai ser um Dj set completamente diferente daquilo que as pessoas estão habituadas e é isso que nós procuramos também. E visto que o sábado é o dia de encerramento do Festival é sempre bom haver uma continuidade para a noite se prolongar e haver uma grande festa. É isso que se espera!

LC: Qual foi a edição do Rescaldo que mais sucesso teve? E porquê?

R: A edição do Rescaldo que mais sucesso teve foi a do ano passado, acho que é resultado de um crescimento gradual do Rescaldo. Acho que só teve mais sucesso a edição do ano passado, não pelas propostas serem melhores ou diferentes, foi porque já havia um outro conhecimento, uma outra aceitação do festival. O público aderiu muito mais, depois foram feitos concertos, inclusive aqui no Sol & Pesca e foi a confluência daquilo que se procurava no Rescaldo, juntar os públicos todos e estarem todos unificados e todos a partilhar esta coisa comum. A outra edição anterior já foi muito boa, mas foi como te disse, foi gradual, mas o ano passado rebentou a escala. No ano passado foram casas cheias e desde o momento que começamos a fazer as edições na Barraca tudo começou a melhorar, começaram a surgir alguns pequenos apoios, por parte de algumas instituições como a Granular, Jazz ao Centro, e isso ajudou-nos muito. A coisa começou a crescer a partir daí.

LC: Das propostas apresentadas para a corrente edição, chamou-me à atenção o duo Calhau. Que tipo de impacto no público poderá proporcionar este projecto?

R: Bom, os Calhau!, como costumo dizer, são uma caixinha de surpresas. Os Calhau! são uma proposta das mais originais que existe neste país, talvez porque eles não sejam propriamente músicos, ambos têm formação em artes plásticas e são altamente originais e usam a música enquanto veículo das suas performances, eles não dão propriamente um concerto, podes dizer que é um concerto, mas é muito mais que um concerto. É sempre uma performance que se socorre da música para acontecer e os Calhau! são dos projetos mais giros e interessantes que existem hoje e acima de tudo super, super original.

LC: Em face da continuidade já demonstrada, que projeta para o Rescaldo 2013?

R: O que pretendo neste momento é que aconteça esta edição do Rescaldo, obviamente que já existem intenções de dar continuidade do Rescaldo para o ano. Esperamos aprender o mais possível com esta edição e com estas novas condições que temos, e que são muito melhores, e que para o ano o festival continue a crescer e se mantenha com o mesmo nível.

A principal preocupação, agora tão em cima desta edição, é que não hajam percalços e vamos avaliar o impacto desta edição tendo em conta que as condições melhoraram muitíssimo. A Culturgest já mostrou interesse em dar continuidade ao Festival para o ano e vamos tentar tirar todas as lições possíveis desta edição e vamos dar o máximo para que para o ano o festival continue a crescer e ser um dos festivais importantes do país.

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Festival Rescaldo : http://festival-rescaldo.info

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