Le Crónica ao OUT.FEST 2012 por Hugo Strawn | Fotografia por Rula Domínguez

Quinta-feira à noite no Barreiro: pouco movimento nas ruas.

21h, 21h30. A cidade gosta de se pensar como de trabalho, apesar da falta de dinheiro, da desindustrialização, da suburbanização estilo dormitório. A cidade tem um modo peculiar de viver as mudanças. O Teatro Municipal do Barreiro fica num centro comercial onde quase todos os espaços comerciais não funcionam enquanto tal... ARRENDA-SE. O auditório onde decorreu o segundo concerto agendado do OUT.FEST 2012 encheu.

Helena Espvall surgiu em palco com um colorido vestido. Trabalhou o violoncelo a solo, tocado através de loopers e pedais de efeitos e construindo uma atuação baseada numa improvisação melódica e algo, por assim dizer, telúrica. Prelúdio para o que seguiria.

Steve Gunn tem vindo a delinear e ofereceu no Barreiro um fascinante trajeto/ação assente numa guitarra na tradição da americana e da vagabundagem numa colocação de voz de assombração. Uma canção sobre um homem que busca/buscava coisas no lixo. Sons como pura presença, paus espetados na terra. Not the Spaces You Know, But Between Them. Com o homem do Brooklyn percebemos, então, isso de musica exploratória e como o OUT.FEST brinda quem dele se aproxima com os melhores momentos musicais do ano e a cada ano. O final do concerto foi uma colaboração entre Espvall e Gunn. Aliás, o final foram os aplausos e como os músicos se retiraram modestamente depois de terminado o seu trabalho. Nem encores, nem braços no ar, nem gritos. A intuição de inteligência prossegue.

Hipóteses de reconciliação com a cidade.

Sexta-feira à noite numa outra zona da cidade do Barreiro: mais movimento nas ruas do que no dia anterior.

21h30, 22h. Será possível na realidade portuguesa uma vida citadina diferente da formatação sair de casa centro comercial/copos/delinquência e pouco mais? Caminhar por passeios europeus... A igreja do Convento da Madre de Deus da Verderena (que necessita de renovada pintura exterior) encheu. Algumas dezenas de pessoas. Musica exploratória. Os membros da associação OUT.RA (Rui Pedro Dâmaso, Tiago Sousa etc.) andam sempre por ali e o festival funciona, simpático e com intenção. A antiga igreja do convento, na penumbra, recebeu o público.

Helm, aliás, Luke Younger, abordou, em linguagens noise e espectrais, um peculiar conceito de ordem: massa sonora, dissidências, prevalência da dissidência, uma segunda dissidência (massa rítmica), combate, um terceiro elemento, prevalência do terceiro elemento (massa/ordem), transmutação, final cavo.  

Kevin Drumm voltou a encher a igreja. Os Yong Yong montaram a tenda e o sistema de som no claustro. Lá fora as ruas esvaziavam-se.

O rigor do «silêncio» ainda é possível.

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* Originalmente publicado a 18 de Outubro de 2012, na Le Cool Lisboa * 362

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