Le Entrevista a Bráulio Amado por Rafa

Designer, artista, artista plástico, vejo também que fotógrafo, leio o Pedal onde és Diretor, já assisti ao Bráulio músico numa noite apoteótica com os Linda na ZDB. Que te falta em funções, já te vês como homem do renascimento ou a verdade é que não consegues estar um segundo parado sem criar algo? São essas deambulações aquela frase chamada de "ter bicho carpinteiro" ou terás tu o toque de Midas. Toco e plim, crio?

Possivelmente, é tudo isso e nada ao mesmo tempo. É mais a necessidade de fazer coisas do que propriamente ser um fotógrafo, diretor, ou músico - que, na verdade, não desempenho muito bem nenhuma das três funções. Definitivamente não tenho o toque de Midas, mas os "bichos carpinteiros" talvez sejam uma boa justificação ou, possivelmente, eu ter ADD. 

Apesar de querer fazer tudo, interessa-me sempre mais a constante colaboração, com amigos, outros designers, fotógrafos e artistas. Daí a banda [os Adorno], o jornal [o Pedal], as exposições, e também a recente junção aos Alva, estúdio de design. Na maior parte das vezes, o crédito não é apenas meu! 

Vais saltando entre esta e a outra margem do Atlântico. Neste momento New York City diz-te mais do que Lisboa ou o apelo pela maçã não consegue ultrapassar o conforto da alface? Que destacas de contraste entre as duas cidades - criativa e socialmente - que te deu mais NYC que Lisboa (e a Grande Lisboa e Almada, claro) tem de falta?

Adoro Lisboa/Almada e a minha emigração para NYC foi inicialmente por vontade própria. Contudo, agora, mesmo que quisesse voltar para a cidade-mãe, bastantes coisas mudaram - há pouco emprego como designer, e quando há é a troco de um mísero valor em recibos verdes. Grande parte dos meus amigos já emigraram para outros países e alguns dos que continuam em Portugal tentam arranjar um plano de fuga. Ao mesmo tempo que sinto uma série de saudades, sinto-me também em sintonia com eles todos, e possivelmente com uma inteira geração que tem de abandonar o país para conseguir viver daquilo que gosta, sem se sentir prejudicado por todo um sistema que está errado e não funcional. A culpa não é nossa.

Claro que a crise chega aqui também, mas é diferente. É impossível comparar NYC com Lisboa, nem sei bem como o fazer. São ritmos e vivências diferentes entre as duas cidades, e cada uma tem a sua parte boa e má.

Musicalmente falando. Como apresentarias os Adorno - é punk, é revolta? Por andam agora e o que podemos esperar deles? E a tua label, a Sleep City Records, está adormecida?

Os Adorno são uma banda de amigos. Talvez o punk faça sentido numa dimensão mais ética, mas em termos de som, a mutação foi sendo contínua desde que começámos a tocar e hoje em dia o rótulo é algo que deixou de fazer sentido. Eu vivo em Nova Iorque, o Ricardo (baterista) em Barcelona, o Diogo (guitarra) tem um emprego que lhe rouba bastante tempo e o João e Óscar (guitarras) continuam por Lisboa.

Encontrámo-nos todos na Alemanha no Verão passado e fizemos uma pequena tour para promover um pouco o lançamento do "Year 2". Daqui a um mês vai sair um novo split 7" com uma banda amiga da Alemanha, possivelmente uma tour no final do Verão... nada certo.

A Sleep City precisa de um boost online, porque na verdade continua activa. Mais focada agora em publicar livros do que discos, brevemente sairá um livro chamado "graphic interviews for graphic artists" que reúne uma série de designers e ilustradores espalhados pelo mundo inteiro que foram entrevistados e limitados a responder com grafismos e imagens. Prometo que actualizo o site em breve.

Editorialmente falando. Como te surge o interesse pela publicação caseira - zines, fanzines, edição independente e de autor - que tanto praticas? Como desenvolves as tuas colaborações e o que tens feito nesta área? O que achas da Feira Laica ter terminado? Ficou um vazio em Lisboa?

O fim da Feira Laica vem certamente criar um vazio no meio da publicação independente. Mas se a feira criou o exemplo que deveria ter criado para os milhares de pessoas que a acompanharam durante estes anos, então faz sentido que daí surjam novos eventos, feiras, festivais etc.

E é desse espírito de onde surge toda a minha febre em publicar coisas - fazer-se as coisas por nós próprios, o chamado DIY e naquilo que acredito que seja o verdadeiro "indie".

A maior parte das colaborações surgiram da forma mais casual - um e-mail, uma conversa. É sempre mais fácil do que parece, não se pode é ter medo em tentar. Tenho feito edições (zines) de autor e também já publiquei trabalho de outras pessoas. Estou sempre aberto a novas colaborações.

Artisticamente falando. Vejo nas tuas exposições, álbuns e peças tão diferentes técnicas e motivos que parecem saídos de diferentes autores. Tens noção dessa tua diversidade ou foi mesmo algo que foste apurando? Uma curiosidade: também usas a gravura, a serigrafia? E a artwork dos álbuns?

Durante bastante tempo procurei ter um estilo próprio, mas hoje em dia tento cada vez mais distanciar-me dele. O design, a ilustração, "arte" e até mesmo a música deve ser não só um desafio para quem a consome mas também para quem a produz. Estou sempre na eterna procura de algo novo, e para isso tenho de me tentar afastar daquilo que já fiz e experimentar o máximo possível. Serigrafia uso bastante, mas na gravura ainda preciso de me esforçar mais para produzir algo decente. Artwork de álbuns são sempre aquele problema das borlas e falta de dinheiro da parte das bandas/editoras, mas quando acontece, são os meus favoritos.

Comentando o Pedal. Como descreverias o papel de um jornal gratuito dedicado ao mundo da bicicleta (penso que será o único em Portugal nestes moldes) na Lisboa atual? Acreditas ter contribuído para o crescer do uso das duas rodas por aqui? O que é ser diretor de um periódico - és mais tipo um John Jonah Jameson ou o oposto disso?

O oposto disso, totalmente. Até porque embora eu tenha o título de Director, o Pedal é feito por um grupo de pessoas e todas contribuem para o jornal com a mesma importância.

Celebrámos recentemente o nosso primeiro ano e aos poucos vai ficando tudo mais oleado para que continuemos a publicar o jornal mensalmente, de forma gratuita. É um projeto paralelo para todos nós e, infelizmente, não conseguimos ter nenhum lucro para além dos custos de produção, portanto há a necessidade de fazer as coisas de maneira a sentir que o que estamos a fazer tem alguma importância e influência no uso da bina nas cidades portuguesas.

Agora que me dediquei a descascar todos os teus diferentes layers criativos, há que dizer que o Bráulio é todos eles em separado e o conjunto de todos. Concordas?

Isso é até eu começar a assinar com pseudónimos. Ou será que já o faço?

Sugere-me aí um sítio de Lisboa e arredores que não dispenses.

Café. Todos. Uma bica e um pão com queijo, obrigado. Não se faz cá disso decentemente nos States.

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* Originalmente publicado a 13 de Fevereiro de 2013, na Le Cool Lisboa * 379

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