Le Entrevista ao Teatro de Marionetas do Porto por Rafa

Somos uma companhia de Teatro com Marionetas, gostamos de encontrar problemas para a seguir nos desenvencilharmos deles alegremente por caminhos desconhecidos... A congeminar diariamente e em conjunto somos neste momento 7 pessoas oficialmente com funções diferentes que passam pela Sala de Ensaios, Oficina e Produção.

Na oficina nascem os protótipos e mais tarde as marionetas ou os objectos cinéticos, no escritório fervilha estrategicamente toda a produção e divulgação dos espectáculos, e na sala de ensaios, onde pessoalmente me encaixo com mais 2 colegas actores, lá viajamos compulsiva e transversalmente em todas as direcções possíveis tentando contagiar ao máximo os viajantes.

Mas é claro que o lema é realmente não nos abstermos de fazer o que é necessário sendo que nos auto-intitulamos multi-facetados, é realmente uma característica importante. (Sara)

Não se poderá dissociar a própria história e o crescimento do grupo do papel imenso do João Paulo Cardoso? Ele era um pai - um mentor - um artista do/para o grupo? (gostava que deixassem uma pequena nota de homenagem) Eu cresci a ver os Patafúrdios e o Gaspar - eu sou formado pelo trabalho do João Paulo [Seara Cardoso].

O João Paulo foi o criador e autor central de toda a obra criada para o Teatro de Marionetas do Porto. Foi o grande motor deste Teatro, tendo criado uma obra ímpar. Um artista com uma sensibilidade extrema que revolucionou o teatro de marionetas em Portugal e as nossas vidas. As suas criações colocaram a marioneta no centro também de uma reflexão filosófica. Cada criação era uma nova invenção, uma nova revolução, dada a forma como de cada vez a necessidade e urgência em criar novos desafios para novas respostas se impunha à equipa e muito especialmente aos actores/intérpretes.

A vivência contemporânea, o cruzamento com outras disciplinas e universos artísticos criaram uma marca que jamais será apagada na memória.

O João Paulo foi um criador/Mestre, no sentido de ter uma ideia do mundo e dos desejos a cumprir, e ter todo o tempo para se dedicar a essas ideias férteis, dando-lhes forma, conseguindo contagiar e entusiasmar equipas, ensinando caminhos e formas de inovar.  Um espírito inquietante, provocador nunca conformado e sempre a par do seu tempo.

A sua estética já contagiou e continuará a contagiar fortemente todos os que tiveram o grande prazer de trabalhar com ele. Todas as marionetas sentirão a sua falta.

Gostava que derrotassem por palavras a ideia pré-concebida de que Marionetas e Teatro de Marionetas é somente para crianças (irritem-se, gritem, xinguem, dêem-me exemplos, amofinem-se). Eu vejo três grandes exemplos em como não: Svankmajer, os irmãos Quay e o marionetista do filme Being John Malkovich. E vi uma criação há uns tempos no Chapitô do Teatro de Montemuro. Há obra para adultos (não quero dizer de adulto - se bem que a referência seria hilariante)?

O Teatro de marionetas é antes de mais teatro. E nesse sentido, segundo a nossa concepção, dirige-se a crianças e adultos. O preconceito não faz sentido. As Marionetas são um dos signos do espectáculo estão ao serviço das necessidades cénicas. Trabalhar com elas é também trabalhar através delas.  É verdade que existe vários contextos em que se inserem. Apesar de não se dissociarem do lado infantil (que é uma vertente de bastante interesse), elas representam sempre o passaporte para um universo onde tudo é possível dentro de um jogo surreal em que a metáfora é a palavra chave.

O grande eixo criativo contemporâneo do Teatro da Marionetas está focado em Lisboa (com os seus FIMFA, Tarumba e o Museu) ou o Porto e as Marionetas do Porto têm mais do que argumentos para o contrariar? Refiram-me Festivais - participações - colaborações e sinergias que tenham com Porto e periferias.

Uma das principais marcas do trabalho do TMP, através das criações do João Paulo Seara Cardoso sempre foi a contemporaneidade. A apresentação das suas várias criações no Porto, pelo país e também com uma significativa circulação no estrangeiro, criaram uma referência incontornável.

O Festival de Marionetas do Porto, criado em 89, foi também uma das fortes referências para a apresentação no Porto de companhias com universos diversos. Posteriormente surgem outras propostas na cidade que contribuem para que o universo das marionetas exista na sua diversidade.

Pelo país existem outros pólos importantes onde as marionetas são o centro do trabalho de companhias e estruturas, com as quais o João Paulo e o Teatro de Marionetas têm mantido excelentes relações e através das quais as criações do TMP têm  sido regularmente apresentadas, Bime, FIMFA… entre outros.

O Belomonte foi uma vitória? Esperam-se mais umas quantas certamente - refiram e comentem projectos que tenham e que irão avançar. Falem-me do projecto do Museu.

O Teatro de Belomonte foi inaugurado com a estreia de Miséria, integrando o Festival de Marionetas do Porto. Miséria é o espectáculo que de alguma forma marca o inicio de todo um percurso para a Companhia.

Esse espaço, tornou-se num lugar muito especial de apresentações de alguns espectáculos que ficaram em cena, e que fazem parte da memória de muitas pessoas, falamos nomeadamente de Vai no Batalha, Joanica Puff, IP5 ou Óscar. Neste espaço está reunida a equipa de trabalho, a Oficina e a Produção, e será sempre a sala de bolso da companhia, que normalmente trabalha para espaços e dimensões muito maiores.

O Museu  é o último projecto que o João Paulo Seara Cardoso criou, e para o qual todos os esforços serão feitos no sentido de ver o mesmo concluído. O TMP possui mais de 1200 peças, entre marionetas e objectos cénicos com grande interesse expositivo. O Museu poderá ser um símbolo cultural da cidade do Porto.

É verdade que é difícil ser criativo fora da capital - mas a contrariedade aguça o engenho?

O Porto é uma cidade muito bonita e com uma dimensão especial. Naturalmente os artistas vivem da visibilidade, e sair da cidade é quase inevitável. Esta questão colocou-se sempre para os artistas que optaram em ficar. Ficar é o seguir o caminho mais difícil. No Porto a política cultural é algo de distante. Relativamente à criatividade, ela existe ou não.

No caso do trabalho do Teatro de Marionetas e dada a constante inquietação do João Paulo, todo o trabalho realizado com  a equipa do TMP sempre teve uma forte marca que ultrapassa as questões do lugar onde nasce, ou seja, as criações têm a marca do Mundo Contemporâneo. As referências são muito largas e o facto da Companhia viajar imenso, permitiu sempre um contacto directo com as mais diversas referências. Assim, a questão da localização da Companhia no Porto, terá eventualmente a sua única desvantagem na dificuldade de ver apoiado o trabalho de uma forma afirmativa sobretudo se pensarmos na importância que representa para a cidade.

Como é ser actor de uma companhia de teatro de marionetas? É doce conjugar diariamente o verbo marionetar?

Sim, esse é um verbo que anda várias vezes nas nossas bocas... Fundamentalmente marionetar, é atirar sentidos em todas as direcções.

O nosso trabalho é muito especial e nada monótono. Os ensaios, as estreias, estar em cena, ou os momentos de pausa, constituem uma dinâmica muito rica e que está sempre em constante evolução. Numa companhia desta dimensão, os actores têm um trabalho muito activo e muito diverso. Participam muito nas questões, e são constantemente “provocados” para novos desafios.

Falem-me da companhia com um olhar mais íntimo - para o grupo e o ambiente de trabalho que têm.

Um pouco na sequência da resposta anterior, podemos dizer que trabalhar no TMP, é trabalhar num lugar especial.  A dinâmica é muito intensa e variada. Até agora sempre muito impulsionado pelo centro, pelo motor que foi o João Paulo, o trabalho nesta companhia é muito estimulante e activo. A criação, o espírito de equipa, e a vontade de fazer coisas novas, são a forma como estamos nos colocamos dentro desta equipa.

Que produções futuras poderemos esperar vossas? Refiram as do Porto e também digressões.

No mês de Dezembro tivemos "Cinderela" em cena, e em Janeiro a estreia da nova produção infantil "Frágil". Ao longo do ano temos agendados vários espectáculos em digressão e faremos uma ou duas novas criações em função dos apoios que a Companhia irá ter para o seu trabalho.

Agora falem-me do Porto como cidade - é um teatro também de marionetas? Quem puxa os fios por aqui?

A cidade do Porto é como já dissemos uma bela cidade, entre o rio e o mar. Tem lugares especiais e está cada vez mais cosmopolita. É uma cidade que tem tudo para ser atraente e conquistar a vontade de viver e criar projectos. Infelizmente o olhar dos responsáveis é desviante e focado na rentabilização económica. A cultura é algo de profundamente estranho e “coisa” de gente que nada produz. Nós fazemos parte gente, somos sobreviventes inconformados com o estado de sonolência cultural da autarquia. Queremos que a cidade exista!

Sugiram-me uma noite ideal na cidade (pode ser individual a sugestão)

Gare para acabar! (Rui Pedro)

E para finalizar - convidem os leitores a ir ver uma peça das Marionetas do Porto!

Convidamos o público a descobrir a mais recente criação do Teatro de Marionetas do Porto: Frágil que estreou em Janeiro no balleteatro auditório. Esta nova criação tem encenação de João Paulo Seara Cardoso e uma forte participação do colectivo.

Fotografias por Susana Neves
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Teatro Marionetas do Porto | www.marionetasdoporto.pt 




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* Originalmente publicado a 22 de Abril de 2011, no Facebook da Le Cool Porto

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