Le Entrevista a Gilbert Peyre por Rafa [PT]

«Cupidon, Propriétaire de l'Immeuble situé sur l'Enfer et le Paradis», o espectáculo que sinaliza a tua primeira vinda a Portugal como um artista com a (tua) «Cie P.P. Dream & Gilbert Peyre», abre o festival FIMFA Lx13 (Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas). Que podemos esperar desta estreia?

«Cupidon» baralha as regras, faz descobrir um mundo desconcertante, estranho e pouco habitual, onde a tecnologia toma parte do sonho. Uma caixa é aberta e fala-se de sexo, de amor, de loucura, mas nem tudo é tão bonito como as imagens nos fazem crer... 
É um trabalho de arte encenado, as esculturas animadas também são actores, é uma exposição transposta para um palco de teatro, com os códigos de um espectáculo ao vivo e de ópera. Diversas imagens aparecem, som também, com a música de Gérard Pesson incluída no som das máquinas ao longo da peça e a de Raphaël Beau, com a canção de Caruso, no momento em que avança «La Jupe et le Pantalon»
Como descreverias a tua relação com o marionetismo, vê-la como uma boa representação (projecção) da natureza humana e dos relacionamentos? Naturalmente que não funciona sem diversão, imagino que terás imenso prazer ao escrever os espectáculos e ao materializar os personagens. Como explicarias o teu processo de criação? Haverá espaço, durante o espectáculo, para improvisar linhas e a actuação?

Desde a minha infância que coloco em movimento tudo o que encontro; a minha forma de criar é assim, eu mostro objectos com movimento. Convoco imagens, eu «sou» um cirurgião plástico e tenho visões como pintor, como escultor. Reutilizo objectos, imagens que me agradam e recrio um puzzle com as minhas esculturas; reinvento uma história, ao longo do tempo, da minha inspiração. Já tinha criado playlets [pequenas peças] em 1998, com Achilles Orsoni e a vestimenta com as lâmpadas dinâmicas; ele cantava em playback o texto de Yves Garnier com a sopano Lydie Morales e já avançava com um pequeno carro.


Então, o «Cupidon» começou em 2007 com Achilles Orsoni (Cupidon), o texto cantado pela soprano e apenas com o armário, símbolo religioso, e durava apenas 15 minutos. Para a sua criação no BIAM em 2009 com Pantin, a duração passou a 1h e fui rodeado com uma equipa técnica e artística. Os primeiros actores a actuar comigo, Corinne Martin e Achilles Orsoni, gravaram vozes sem que lhes explicasse o que eu queria expressar. Flora Marvaud criou a iluminação; Fabien Caron o som em completa osmose comigo; para a criação do vestuário, falámos muito com Morgane Olivier, a fim de não refazer o «Alice au Pays des Merveilles». Aqui não existe improvisação; tudo é gravado, trabalho ao milímetro; os actores têm auriculares e obedecem a ordens; o texto é sempre cantado em playback. Mas a tecnologia melhorou.
 
Os dois manipuladores (Juliet Zanon and Bachir Sam), que operam objectos por controlo remoto, os lugares da Noiva / Fiancée e do Cupido / Cupidon, às vezes divertem-se a ir um pouco mais longe das suas acções, mas a sua liberdade é restringida pela tecnologia. Eles permanecem solidamente com os actores Cupido / Cupidon (Jean-Yves Tual) e a Noiva / Fiancée (Marie De Oliveira), que trazem as suas próprias emoções, caem, jogam com o olhar, a cara, os braços. Mas a parte inferior do seu corpo permanece estático, eles estão sentados de joelhos, numa posição que tentaram tornar o mais confortável possível. No último Festival Materia Prima em Cracóvia, o seu jogo foi explêndido, havia amor, o que levou todo o público a aplaudir de pé.


Só a Governanta (Gaëlle Fiaschi) é que caminha normalmente,  mas numa saia tão justa que a obriga a dar pequenos passos. Se coordeno os meus actores como marionetas, espero não ser um manipulador!

Não sou alguém que possa comunicar, devotar-se a falar sobre a sua arte; assim, os meus textos falam por mim e o humor também, sempre, porque a vida sem humor seria impossível. Assim como sem amor, também.

O teu trabalho tem sido descrito e comentado como uma comédia mecânica (muito como o «Cirque Calder»), um circo, uma parada, uma liturgia. E Gilbert Peyre como um génio, um inventor, um mestre do do-it-yourself. Além de todos estes agradáveis atributos e cumprimentos, o do-it-yourself tem um grande papel no desenvolvimento dos teus espectáculo e o epíteto de genialidade não existe sem razão. Como é que o DIY surgiu e será que conscientemente se pretende algo com ele?

Venho de uma grande família, não estudei e saí da minha casa aos 14 anos para trabalhar. Tive diversos trabalhos mas, tive problemas de alimento, que apenas a arte foi bem sucedida em aplacar. O encontro com a minha mulher Laurence em 1984, também me ajudou a abri-me mais aos outros.


E eu, que trabalhava a sós na minha oficina, surgi daí para me envolver de técnicos e actores. Em 1996 criei a minha companhia, a P.P.Dream, com a minha mulher e montei sozinho a «Ce soir on tue le Cochon». Para o «Cupidon» em 2009, o Visconte de Bartholin suportou-me financeiramente e trouxe parte da equipa técnica. Actualmente, Loïc Guyon, o gestor geral, empresta profissionalismo à organização.

A palavra génio, são os outros que a pronunciam; eu, eu trabalho, eu avanço, com dificuldades, porque mostrar notavelmente «Cupidon» necessita de energias; a equipa aceita a nossas condições, não somos subsidiados; eu tomo um plano de espectáculo assim que cumpro e animo esculturas! Não procuro financiamento antecipadamente. Com Laurence, fizemos tudo na companhia, mas a isso chegámos!

Eu não prego o do-it-yourself, mas se há algo a dizer, a sair, é necessário aprofundar. Não tentar usar meios demasiado caros a princípio. Agora, a mais pequena das coisas que construo tem custos, como o pneumático por exemplo, porque nada é reutilizado. Mas estou rodeado de pessoas muito generosas, como Fabien Poutignat (Loupi Electronique) e Robert Breton, engenheiro de electrónicas.

No meu trabalho como artista, tive sempre montanhas a nivelar, tudo é feito com intenso trabalho, gostaria de ser mais suportado financeiramente; felizmente, algumas instituições culturais exibiram o «Cupidon» em Paris, durante 2009-2010. E, desde então e a cada ano, há um festival estrangeiro que «batalha» para o apresentar. Diz-se que criar em dificuldade é mais vantajoso, mas há 9 pessoas na equipa do «Cupidon», já não estou sozinho. Iremos exibir «Cupidon» em Paris, na tenda do Cirque Electrique de 11 a 22 de Setembro. Será uma nova aventura...

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Fotos por Krzysztof Wojcik

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* Originalmente publicado a 17 de Maio de 2013, na Le Cool Lisboa * 392

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