Le Entrevista a Paulo Moura por Lino Palmeiro


Paulo Moura é professor de Português e bibliotecário no Maria Amália, aquela escola secundária lisboeta que ainda exibe na fachada a designação «Lyceu Feminino».

Para além desta missão, ainda tem tempo para ser actor amador (por puro amor) e para sair por aí à caça de instantâneos de Lisboa.

Como é que a fotografia entrou na tua vida? Foi amor à primeira vista?

Entrou por via paterna. Desde sempre que me lembro de uma câmara embrulhada num estojo de cabedal castanho, muito ajustado, que ia sempre connosco quando viajávamos. 

Portanto, o hábito de retratar e captar paisagens e ambientes nasce em simultâneo com a consciência, e o amor que tenho à fotografia confunde-se com o amor que tenho ao meu pai. Depois, havia um laboratório de fotografia no sítio onde ele trabalhava e eu ia para lá chatear: queria aprender. Aí surgiu um grande fascínio pelas questões técnicas. O milagre da imagem a formar-se no papel mergulhado tem um poder hipnótico fantástico. Deslumbra qualquer um. Uma criança, por maioria de razões.

Tens saudades da fotografia analógica e da imagem a formar-se no papel mergulhado? Ainda praticas?

Já não pratico nem morro de saudades. Da mesma forma que já não escrevo à máquina nem lavo roupa no tanque. Mas continuo a ter uma grande admiração pelas máquinas de escrever e pelos tanques da roupa: são objectos sólidos, credíveis e fazem parte do meu imaginário. Mas, sinceramente, uma câmara para rolo a cores, outra para preto e branco; rolos para fotografar no exterior, no interior, 100 ASA, 400 ASA, enviar para o laboratório, estar à espera da revelação e das ampliações, esta não ficou bem, aquela podia ficar melhor – isso já lá vai. Foi bom enquanto durou.

E fotografar Lisboa sem cair no cliché? Da outra banda? Do alto? Temos de nos afastar para a ver?

Definitivamente, temos de nos afastar para ver as coisas grandes e as coisas grandes são também as coisas que amamos. Um dia compreendi que quem ama Lisboa devia morar na outra margem, mas eu prefiro estar no ventre e sair de vez em quando para me lembrar da sorte que tenho em viver no coração de uma das cidades mais bonitas que conheço.

«Sempre imaginei que o paraíso será uma espécie de biblioteca», disse Jorge Luis Borges. Conta-nos como é a «tua» biblioteca. Um paraíso?


Nem teologia nem metafísica, a «minha» biblioteca está a meio caminho entre um supermercado e uma cozinha. Eu sinto-me no paraíso, mas não é um paraíso. Borges tem uma visão muito pessoalista: a minha biblioteca c’est moi, à maneira de Flaubert. É uma visão muito tentadora, mas nós não nos podemos dar a esse luxo. A «minha» biblioteca é um recurso concebido para servir a comunidade e está integrada numa rede (Rede de Bibliotecas Escolares) que tem feito um trabalho notabilíssimo no que toca à dotação de recursos das bibliotecas e formação dos professores bibliotecários a nível nacional. Por isso, ela será tanto mais «minha» quanto mais for de toda a comunidade. Além disso, tem aquele charme das coisas antigas, móveis robustos e elegantes, um piano, uma passadeira vermelha…

Como é que se põe os adolescentes de hoje a ler? Diz-se-lhes que ler um livro já é um acto subversivo?

À força!… Estou a brincar. Não é fácil. O prazer da leitura não é evidente e ler por prazer, como todos sabemos, exige algum recolhimento e concentração, requisitos que a maior parte dos adolescentes (14-18) não dispõe em grande quantidade. A fase 14-18, que é aquela com que trabalho, é o cabo das tormentas da leitura.

Mas toda a gente que anda nesta lida sabe que os leitores se formam ainda antes de aprenderem a ler e, nessa matéria, a família tem um papel central. Todos aqueles que leram regularmente até aos 12 – ou porque tiveram a sorte de ter livros em casa ou de ter tido alguém (mãe, pai, avó, tia) que leu para eles antes de dormir ou ainda por outro motivo qualquer –, esses podem deixar de ler na travessia do cabo das tormentas, mas depois há altas probabilidades de retomarem.

Seja como for, põe-se um adolescente a ler através da sedução. Primeiro tens de conhecer o alvo, depois crias uma teia, falas dos livros que conheces (e às vezes dos que não conheces) com entusiasmo, lês passagens criteriosamente escolhidas e alguns caem na armadilha. Se te aparece um que percebes que vai lá pela subversão, exploras esse filão, mas se vem outro que quer um romance de amor com final feliz, tens de estar à altura, mesmo que não seja essa a tua especialidade.

Em qualquer dos casos, tens de criar um vínculo, por ténue que seja, uma cumplicidade se possível, e deves evitar ao máximo juízos de valor sobre os seus gostos ou preconceitos. Quando alguém me vem pedir Nicolas Sparks (infelizmente não temos na nossa colecção e já tenho perdido leitores por causa dessa falha), eu aconselho outro autor, mas sem nunca emitir juízos de valor porque o adolescente, por regra, é um indivíduo que já sabe tudo acerca de tudo e tem convicções definitivas sobre todas as matérias.

Fazes parte do Grupo de Teatro da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. É um acto de voluntariado? Pura carolice?


É um acto de amor e dedicação. A escola, sobretudo quando pública, não se pode cingir ao currículo nem pode gerir toda a sua prática pedagógica em função dos exames. Essa é uma concepção pobre, que não contribui para o desenvolvimento integral do indivíduo nem concorre para a diminuição das desigualdades no acesso à cultura. Ela tem de abrir caminhos e perspectivas, e tem de colocar aos alunos desafios reais, em que a avaliação não é unilateral nem assume a frieza de uma expressão numérica. No teatro, a avaliação individual deduz-se da avaliação do grupo e vice-versa e traduz-se em apreço, indiferença ou rejeição. Em suma, palmas ou pateadas (por enquanto, os tomates e os ovos podres estão interditos pelo regulamento).

A propósito, se me permitem, aproveito para fazer publicidade: no próximo dia 31 de Maio, às 21 horas, estreamos a peça Vertigens, uma adaptação de «Despues de la lluvia», do catalão Sergui Belbel. Foi o trabalho que preparámos este ano lectivo.

Num safari fotográfico por Lisboa, onde te instalarias para caçar? Sugere-nos aí um sítio secreto da cidade, que obviamente o deixará de ser.


Não gosto de safaris. Eu cá só caço para comer… digamos, nunca saio de casa com o propósito explícito de fotografar, mas também raramente saio sem levar a câmara. Quando a situação surge, eu disparo, por isso gosto de sair sempre armado.

Um sítio secreto? Hum... deixa-me pensar. O Pátio do Duarte. Se não souberes onde é, encontras a resposta no «Caderno» da Adília Lopes.

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